Hoje a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), completa 6 anos.
Inspirado nos princípios e diretrizes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) promulgada pela ONU no ano de 2007, o EPD implementou uma série de medidas que visam garantir e assegurar, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência.
Como se extrai de seu artigo 1º, o EPD se destina “a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”
O EPD positiva uma série de direitos e garantias para as pessoas com deficiência, que são definidas em seu artigo 2° como aquelas que têm “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
O próprio conceito de deficiência trazido no EPD demonstra o propósito dessa legislação, que tem como um dos principais objetivos ampliar a participação da pessoa com deficiência na sociedade, valorizando a sua autonomia e a possibilidade de dispor sobre aspectos relativos à sua própria esfera de vida. Além disso, busca-se também promover igualdade substancial entre essas pessoas e os demais integrantes da sociedade, garantindo mecanismos para que haja uma adaptação da sociedade a permitir a inclusão efetiva de pessoas com deficiência, em paridade de condições.
Para materializar os direitos das pessoas com deficiência, o EPD promoveu significativa mudança no ordenamento jurídico, alterando o regime de incapacidades disposto no Código Civil. Embora todos possuam capacidade de direito, nem todos possuiriam a capacidade de fato para praticar os atos da vida civil de maneira autônoma, e foi neste ponto que o EPD em muito avançou na busca pelo reconhecimento da autonomia e da liberdade individual das pessoas com deficiência.
A partir das alterações promovidas pelo EPD no regime de incapacidades, passa a ser considerado absolutamente incapaz apenas o menor de dezesseis anos. Além disso, o EPD retirou do rol de incapacidades qualquer menção a deficiência. As pessoas que possam vir a enfrentar alguma dificuldade na compreensão de seus atos, em razão de deficiência intelectual, são tratadas pela lei como capazes, podendo, eventualmente, ser consideradas relativamente incapazes, caso possam ser descritas como sendo aquelas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade.
Com a nova disciplina legal, a deficiência (física, sensorial, mental ou intelectual), por si só, não é suficiente para afetar a capacidade de fato da pessoa, e que por isso deve ser permitida a prática de atos da vida civil, seja de caráter patrimonial, seja de caráter existencial. A deficiência, portanto, deixou de ser sinônimo de incapacidade, deixando de subsistir, ao menos na lei, a costumeira associação entre essas duas situações.
Para reforçar esse ponto, o EPD dispõe, em seu artigo 6º, que a deficiência não afeta a capacidade civil da pessoa, inclusive para se casar e constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, exercer direitos relativos ao planejamento familiar, exercer direito de guarda e adoção, dentre outros.
Tem-se então a plena capacidade da pessoa com deficiência, que pode vir a ser considerada incapaz em relação à prática de determinados atos, mas não em razão da deficiência, e sim quando não puder exprimir a sua vontade.
Com esse novo panorama do regime de incapacidades, pode-se identificar uma série de reflexos relevantes que impactaram todo o ordenamento jurídico, especialmente a curatela e o procedimento para a sua definição, que guardam relação intrínseca com o exercício da autonomia.
A curatela, que anteriormente era tida como regra, a partir do EPD passou a ser medida excepcional, que continuará sendo decretada em procedimento judicial de jurisdição voluntária, após uma profunda análise, instrução e fundamentação quanto à sua necessidade, sendo estipulados, também, os seus limites e o seu período de duração. Houve, ainda, a introdução no ordenamento jurídico brasileiro do instituto da tomada de decisão apoiada, mecanismo de apoio alternativo e prioritário à curatela, e que não afeta a capacidade da pessoa que dele necessite.
E, para além do amparo à pessoa com deficiência, as alterações na maneira de se compreender a capacidade e a curatela abarcam todas as pessoas que possam vir a necessitar de alguma proteção. O que se alterou, em verdade, foi a própria forma de se conceber eventual restrição de capacidade e de se buscar, sempre, a promoção da autonomia da pessoa que necessite de auxílio. E essa percepção não se encerra, por certo, no cuidado direcionado às pessoas com deficiência.
Portanto, os impactos das diretrizes e premissas do EPD na curatela não se vislumbram apenas quando o instituto se direcionar ao amparo da pessoa com deficiência, mas estendem-se a toda e qualquer pessoa que dele precise.