O abandono afetivo representa a violação de deveres de cuidado decorrentes da autoridade parental e do princípio da afetividade, caracterizando-se pelo descumprimento voluntário dos genitores em relação às suas responsabilidades de cuidado, afeto e proteção frente aos filhos, privando-os, por exemplo, de sua convivência.
Embora o direito/dever de zelar pela criança e/ou adolescente seja uma obrigação personalíssima decorrente do poder familiar, há genitores, em certos casos, que optam por rejeitá-los.
Os impactos desse abandono ultrapassam a esfera do sustento material, repercutindo na vida do filho abandonado por todos os seus ciclos. Em verdade, o abandono afetivo pode abalar a esfera existencial da vítima ao ponto de lhe ocasionar danos irreparáveis, haja vista ser por meio do afeto, mediante sua expressão de cuidado, que são construídas as relações interpessoais e de confiança, o que pode ser quebrado em casos de abandono afetivo.
A fim de evitar a consolidação do abandono afetivo e suas indesejáveis consequências, há algumas possibilidades. Havendo decisão judicial sobre o regime de convivência, é possível o ajuizamento de cumprimento de sentença com a finalidade de obrigar o(a) genitor(a) a observar o regime de convivência fixado judicialmente, sob pena de imposição de multa no caso de descumprimento. Acerca disso, Ana Paula Vasconcelos e Rita Vasconcelos (2020) sustentam que “A incidência de multa pode ser requerida pela parte ou determinada de ofício, pelo juiz, para que se dê em prazo razoável estabelecido na decisão judicial, o adimplemento da obrigação. O valor da multa deve ser ‘suficiente e compatível com a obrigação’ (CPC, art. 537, caput), devendo o juiz verificar as condições econômicas do genitor inadimplente antes de fixá-la, para que se respeite a execução equilibrada, ou seja, para que a execução seja efetiva (o valor insignificante da multa poderia estimular o descumprimento), sem onerar excessivamente o executado. Até porque, valores excessivamente elevados, cujo pagamento seria impossível, não cumpririam a função coercitiva, qual seja, a de atuar na vontade do genitor para que cumpra a obrigação evitando a incidência da multa.”[1]
Embora seja essencial buscar a manutenção do convívio familiar, ainda que seja necessário acionar o Poder Judiciário para tanto, não se pode ignorar que o exercício da parentalidade deve ser algo desejado, e não imposto. Assim sendo, nos casos em que se observa a convivência forçada, sem qualquer vínculo de afeto ou desejo do(a) genitor(a) em exercer efetivamente a parentalidade, a despeito das medidas adotadas para buscar criar esse vínculo, o abandono afetivo acaba se caracterizando, gerando danos à criança e/ou ao adolescente.
Nas situações em que há abandono afetivo, é possível ao filho ingressar com ação de indenização buscando a reparação por danos morais, se existirem, em face do(a) genitor(a) que o rejeitou. Sobre a função da indenização em casos de abandono afetivo, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 1.481.531-SP, já se manifestou no seguinte sentido: “A indenização, nessas hipóteses, tem a função mitigar o dano, compensando a vítima através de valor pecuniário que lhe permita sanar as agruras psicossociais decorrentes do descaso parental.”[2]
Para além da reparação pecuniária, é possível a adoção de outros mecanismos para minimizar os danos decorrentes do abandono afetivo. Uma das possibilidades, por exemplo, é a exclusão do sobrenome do(a) genitor(a) que praticou o abandono. Considerando o nome como um direito de toda pessoa natural, que a identifica e individualiza na sociedade e no âmbito familiar, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n° 1.304.718-SP, estabeleceu a tese no sentido de que “é possível a exclusão do sobrenome paterno em razão do abandono afetivo praticado pelo genitor”. Ao assim decidir, o Tribunal pontuou que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto diante de justo motivo de exclusão do sobrenome do(a) genitor(a), no caso, o abandono afetivo. No entanto, restou salientado que a “supressão pretendida não altera a filiação do recorrente, pois permanecerá no seu assento de nascimento o nome do genitor.”[3]
O entendimento firmado pelo STJ é um avanço em prol daqueles que foram rejeitados por seus genitores, pois lhes é garantida a possibilidade de não mais carregar em seus nomes a lembrança dos danos ocasionados pelo abandono que sofreram.
[1] Vasconcelos, Ana Paula; Vasconcelos, Rita. Descumprimento de obrigação nas ações de família: hipóteses de execução indireta e de responsabilização civil. In: Ticianelli, Maria Fernanda; Barbiero, Priscilla Cristiane (Organizadoras). Direito de família em cases: o conflito pelas lentes de seus advogados. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2020. P. 179-197.
[2] Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp 1.481.531-SP. Rel. Min. Moura Ribeiro. Julgado em 16/02/2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201401869064&dt_publicacao=07/03/2017. Acesso em: 04 abril 2024.
[3] Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp n. 1.304.718/SP. Rel. Min: Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em: 18/12/2014. Disponível em: chrome extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201103048755&dt_publicacao=05/02/2015. Acesso em: 05 fev. 2024.